A corrida armamentista na Europa e no mundo
Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia e encerrou um período de mais de trinta anos de paz no continente europeu. O ataque está inserido num contexto de fortes tensões geopolíticas, particularmente na Ásia. Em consequência disso, o novo cenário mundial alimenta um rearmamento maciço em muitos países.
Em 2021, ou seja, antes do início do conflito russo-ucraniano, os gastos militares em todo o mundo ultrapassaram US$ 2 trilhões – um recorde histórico, considerando as variações de preços e taxas de câmbio. Entretanto, a participação do orçamento da defesa, em comparação com o total da riqueza produzida, ainda é menor do que na época da Guerra Fria.
O fato é que os gastos militares vinham aumentando há vários anos. Desde a anexação da Crimeia pelo regime de Moscou, em 2014, o orçamento da defesa na Europa aumentou 4,8% ao ano (excluindo a inflação), mais do que em qualquer outra região do mundo.
Mas a corrida armamentista está longe de ser homogênea nos diferentes territórios do mundo. Apenas 15 países respondem por mais de 80% dos gastos militares mundiais, e as 5 nações que mais investem respondem por mais de 60% do total de gastos. São elas: Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Reino Unido.
Com um orçamento militar de cerca de US$ 700 bilhões, os Estados Unidos lideram o topo da lista. Apesar de serem cada vez mais desafiados pela China e pela Rússia, seu poder continua esmagador em termos de capacidade militar e qualidade de armamentos.
Durante cerca de dez anos, os Estados Unidos fizeram uma lenta retirada dos conflitos mundiais, iniciada sob as presidências de Obama e Trump e materializada pelo fim da guerra no Afeganistão, em agosto de 2021. Mas o combate travado pela Rússia na Ucrânia forçou a superpotência americana a mudar de planos.
A corrida armamentista iniciada em 2022 consiste, em primeiro lugar, em gerenciar a emergência do conflito. Diante do invasor russo, os Estados Unidos e as nações europeias rapidamente decidiram enviar armas e equipamentos maciços para apoiar o exército ucraniano.
Mas a invasão russa também reforçou a desconfiança de outros países do Leste Europeu, que novamente temem por sua independência. A Polônia e os países bálticos (Lituânia, Letônia, Estônia), cujos gastos militares já eram altos, em proporção à maioria dos Estados europeus, anunciaram um aumento maciço em seus orçamentos, a partir de 2023.
Na foto: Kaja Kallas, primeira-ministra da Estônia.
No final, toda a Europa O r i e n t a l decidiu ajustar o orçamento da defesa diante da ameaça russa: República Tcheca, Eslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária anunciaram a implementação de programas de rearmamento o mais rápido possível.
Um país amplamente desmilitarizado, desde 1945, e conhecido pelo pacifismo de sua população, a Alemanha decidiu mudar de postura, desde o início da guerra na Ucrânia. Em um discurso ao parlamento, no final de fevereiro, o chanceler Olaf Scholz anunciou um aumento histórico de 100 bilhões de euros no orçamento militar alemão.
O projeto de lei de finanças, apresentado ao Parlamento no início de outubro, prevê um aumento de 3 bilhões de euros no orçamento da defesa francesa. Esta tendência ascendente, que vinha acontecendo nos últimos tempos, já estava prevista pela lei de programação militar, que se estende por vários anos.
O orçamento de 2023 inclui a substituição das armas César, doadas à Ucrânia em 2022, e prevê um aumento significativo com gastos militares, para modernizar o exército francês.
A guerra na Ucrânia reavivou a OTAN como uma aliança de países ocidentais, mas também estimulou o antigo projeto de defesa europeu. O Chefe de Estado francês insiste na necessidade de uma estratégia europeia comum e na necessidade de coordenar os diferentes exércitos nacionais.
O problema é que muitos Estados europeus, incluindo a Alemanha, continuam a comprar equipamentos dos EUA. Resta saber se a Europa adotará uma política de defesa independente ou se continuará a viver sob a proteção daquele país, como aconteceu na Guerra Fria.
O atual contexto geopolítico levou a um rearmamento das forças convencionais, bem como levantou outra questão delicada: as armas nucleares. Desde o colapso da URSS, o arsenal deste tipo havia diminuído significativamente, em muitos países. No entanto, Vladimir Putin reascendeu a ameaça nuclear, em resposta às contra-ofensivas ucranianas.
"Logo chegaremos a um ponto em que, pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, o número de armas nucleares no mundo poderá começar a aumentar, o que é um fenômeno realmente perigoso", disse Matt Korda, do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, à AFP.
Hoje, os Estados Unidos e a Rússia detêm juntos 90% do arsenal nuclear do mundo. Mas outras potências, como o Reino Unido e a China, comprometeram-se a modernizar suas armas atômicas. Isso sem mencionar a Coreia do Norte.
A China tem apenas 350 ogivas nucleares até o momento, já os EUA e a Rússia têm mais de 5.000 ogivas cada um. No entanto, o Pentágono, Departamento de Defesa dos EUA, estima que Pequim poderia dobrar seu arsenal até 2027.
A política expansionista da China na Ásia o r i e n t a l preocupa seus vizinhos, a começar por Taiwan, que teme voltar ao domínio chinês. Mas o Japão, tradicionalmente um "anão militar", também embarcou num programa de rearmamento, contrário à sua tradição.
Habitual aliada dos países ocidentais, a Austrália também está em processo de rearmamento, para fazer frente à ameaça chinesa. O país cancelou, no último momento, a compra de doze submarinos da França, para comprá-los dos Estados Unidos. Mas um ano depois, a França volta a posicionar-se, já que os estaleiros americanos estão ocupados com o abastecimento do próprio exército.
Guerra na Ucrânia, tensões na Ásia-Pacífico, gastos militares crescentes e a volta das armas nucleares. O mundo de hoje está cada vez mais incerto e a ameaça de um conflito armado nunca foi tão grande, desde o fim da Guerra Fria. Esperemos que sejam encontradas soluções pacíficas para preservar a segurança do mundo e das populações!