A intrigante história dos "Johatsu", japoneses que desaparecem sem deixar rastros
Há anos, um fenômeno curioso desenvolveu-se e instalou-se na sociedade japonesa. Nela, milhares de pessoas desaparecem da noite para o dia, sem deixar rastros. E não se trata de sequestros em massa...
O cenário em questão também não está relacionado a uma próxima série de TV, mas sim a uma realidade tabu no Japão. Quem decide evaporar-se na selva, por exemplo, muitas vezes, planeja sua própria morte com antecedência.
De um dia para o outro, esses japoneses cortam todo contato com a família, os amigos e o trabalho, para, supostamente, recomeçar a vida do zero em outro lugar. Existe, inclusive, um termo em japonês para denominá-los: "Johatsu" ("Evaporado", em português).
Segundo a polícia japonesa, há entre 80 mil e 90 mil japoneses que desaparecem, por vontade própria, a cada ano. Isso representa, aproximadamente o número de habitantes da cidade de Poitiers, na França.
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Mas de acordo com associações locais, o número anual de "evaporados" é muito maior: estima-se que chega a 200 mil por ano. Isso porque a maioria das famílias não comunica o desaparecimento de seu ente querido às autoridades.
Envergonhadas, as famílias japonesas preferem ignorar o fato de perder alguém para o fenômeno, como indica a jornalista Léna Mauger em seu livro Les Evaporés du Japon.
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Isso porque a sociedade japonesa dá grande importância à honra familiar e à conformidade com as normas sociais. Os desaparecimentos vão contra esses valores.
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A vergonha também é o que parece levar estes japoneses a desaparecerem. Embora o johatsu não tenha um perfil típico, a incapacidade de pagar as dívidas é um dos principais motivos para sua decisão.
O johatsu também prefere desaparecer a pedir o divórcio ou encarar haver sido descoberto com um amante, perder o emprego ou mesmo reprovar uma prova.
Em seu livro Les Evaporés du Japon, Léna Mauger conta, por exemplo, a história de um homem que partiu porque não podia pagar as despesas de sua mãe doente. “Ele tinha tanta vergonha de não conseguir pagar as contas que preferiu abandonar a mãe doente do que ficar com ela”, diz.
Embora o termo "Johatsu" tenha surgido na década de 1960, esse estranho fenômeno existe, há séculos, no Japão. No entanto, aumentou na década de 1990, quando o país passou por uma crise econômica. Naquela época, muitos japoneses encontravam-se arruinados e não viam outra saída senão desaparecer ou acabar com suas vidas.
Como explica Léna Mauger em entrevista para a rádio Europe 1, é "mais fácil" desaparecer no Japão do que nas nossas sociedades ocidentais, porque "os arquivos estão menos centralizados do que na Europa". Não há troca de informações entre os bairros e, portanto, os desaparecidos podem começar uma nova vida sem nem precisar mudar de identidade.
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Existem até manuais, chamados de "yonige-ya" ("movimento noturno"), que dão conselhos sobre como evaporar e recomeçar a vida. Sem contar com empresas especializadas, que ajudam os japoneses a desaparecerem, com toda a legalidade.
Uma das particularidades do Japão é que a polícia não faz buscas por essas pessoas desaparecidas. Quando um adulto parece ter ido embora voluntariamente e não há risco de crime ou acidente, a polícia, simplesmente, não investiga.
Algumas famílias, portanto, recorrem a detetives particulares para encontrar seu ente querido. Mas seus serviços são caros, cerca de 500 euros por dia, segundo a France 24. Algumas associações locais, no entanto, oferecem ajuda gratuitamente.
Mas a tarefa é difícil. Por causa da Lei de Proteção à Privacidade de Informações Pessoais do Japão, é quase impossível obter dados sobre indivíduos sem o seu consentimento.
Alguns johatsu acabam ressurgindo, depois de vários meses ou anos, quando sentem a necessidade de se reconectar com seus entes queridos. No entanto, esses casos são raros. A maioria dos johatsu constrói uma vida totalmente nova, às vezes com um novo nome, com novos relacionamentos, um novo emprego e deixa seu passado para trás para sempre.
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