A pandemia da insônia e os riscos de tomar Zolpidem
Pouco notada e silenciosa, a insônia atinge 72% das pessoas no Brasil, segundo estudos da Fiocruz. O número impressiona e suas consequências são alarmentes.
De acordo com informações da Associação Brasileira de Sono (ABS), a identificação das pessoas afetadas pela insônia é influenciada pela idade, gênero e status socioeconômico.
A insônia tende a ser mais prevalente entre o s e x o feminino, possivelmente por fatores hormonais, uma vez que os índices de insônia nas mulheres ficam maiores a partit da puberdade, segundo o Ministério da Saúde.
Mas a verdade é que quase trodo mundo já experimentou alguma dificuldade no sono. A insônia caracteriza-se pela dificuldade de adormecer, manter um sono contínuo durante a noite ou acordar antes do horário desejado. Isto pode estar ligado a diversos fatores, como ansiedade, problemas de saúde, questões emocionais ou psiquiátricas, entre outros.
Se isto ocorre de vez em quando e está associado a um evento específico, como uma viagem ou uma prova a fazer nos dias próximos, não há motivos de preocupação. O problema é quando a insônia passa a ser frequente.
Em casos crônicos mais graves, a insônia costuma durar, em média, três anos, e pode implicar em riscos para o desenvolvimento de outras doenças, segundo a ABS. Por isso, devemos estar atentos para identificar quando a dificuldade de dormir é contínua.
"Quando a insônia é grave, de forma que a pessoa não consiga ter o mínimo de horas de sono durante a noite, isso também pode resultar em alterações metabólicas, que podem até predispor para o aumento de peso e diabetes”, explicou Dalva Poyares, médica especialista pela Sociedade Americana de Medicina do Sono.
Mas mesmo que o caso não seja tão grave, há alguns sintomas aos quais devemos estar atentos, pois podem estar relacionados com noites mal dormidas. São eles: fadiga, déficit de atenção, falta de memória, prejuízo de atividades social, familiar ou acadêmica, mau humor, irritabilidade, sonolência diurna e impulsividade.
O que todos desejam é, naturalmente, acabar com a fatídica insônia, mas como?
Levar uma vida saudável e respeitar os horários de sono é essencial para ter uma noite de sono tranquila, bem como restringir o contato com as telas de celulares e televisores uma hora antes de ir para a cama, no mínimo. Outro fator importante é evitar as bebidas estimulantes, como o café, a partir de certa hora da tarde.
Mesmo tomando estas precauções, sabemos que a insônia afeta cada vez mais gente. A prova disto é a crescente procura por remédios para dormir, como o Zolpidem.
No mercado brasileiro há cerca de 30 anos, o Zolpidem é classificado como um hipnótico que induz o sono. Sua ação assemelha-se a dos benzodiazepínicos, um tipo de fármaco que consegue diminuir a atividade do sistema nervoso, mas atua por um período menor de tempo.
"Remédios como o Zolpidem surgem justamente a partir dessa necessidade de um tratamento que comece e acabe rápido, e fique restrito ao período do sono", disse o médico Almir Tavares, coordenador do Departamento de Medicina do Sono da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), à BBC Brasil.
O efeito do medicamento parece irresistível: como um toque de mágica, a pessoa adormece rapidamente e acorda no dia seguinte feliz e contente. O problema é que, se não usado corretamente, segundo as orientações médicas, o remédio pode causar forte dependência.
"Alguns pacientes desenvolvem dependência psicológica por sentirem necessidade de adormecer rapidamente, não tolerando a espera normal do tempo para pegar no sono. Além disso, costumam fazer uso abusivo, utilizando o Zolpidem para prolongar o período de sono normal ou para cochilar durante o dia, o que não é recomendado", alerta a psiquiatra Gisele Richter Minhoto, professora da Escola de Medicina da PUC-PR, ao Uol.
“Eu trabalho na Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital São Lucas, em Porto Alegre, e temos recebido casos dramáticos de dependência de Zolpidem. Já lidei com pacientes que tomavam duas ou três caixas inteiras numa noite”, disse o psiquiatra Lucas Spanemberg, do Instituto do Cérebro da PUC-RS, à BBC Brasil.
De acordo com a Anvisa, em 2018, foram vendidos 13,6 milhões de caixas dessa medicação. Já em 2020, esse número subiu para 23,3 milhões, um crescimento de 71%. Desde então, o número de vendas do medicamento nunca ficou abaixo dos 20 milhões por ano.
Como resolver, ao mesmo tempo, a insônia e o uso abusivo de medicação para dormir? A situação é complexa e não há caminho fácil para solucionar o problema.
Os médicos concordam que um bom começo seria controlar a prescrição para remédios como o Zolpidem, incluindo-o na lista de remédios "tarja preta".
Em 2001, medicamentos como o Zolpidem deixaram de ser "tarja preta" e passaram a ser prescritos com uma receita C1 Branca, por conta da diretriz da nova portaria da Anvisa. Isso facilitou sua prescrição e aumentou significativamente o número de vendas, além de criar a falsa ideia de que o remédio não oferece riscos aos pacientes, informou a BBC.
Outro elemento importante é conscientizar tanto médicos quanto pacientes quanto aos riscos envolvidos no consumo continuado de fármacos para dormir. "Não podemos medicalizar o sono", alertou o médico Almir Tavares, citado pela BBC.