Desertor russo explica por que fugiu da guerra de Putin
Milhares de russos fugiram do país desde que o presidente Vladimir Putin anunciou a invasão da Ucrânia. O medo do que viria ou o desacordo com a guerra fizeram com que essas pessoas tomassem essa decisão.
O tenente Dmitry Mishov, por exemplo, tinha claro de que não queria participar dela. O aviador de 26 anos é um dos poucos militares que conseguiu sair da Rússia e falar sobre sua história.
Em uma entrevista recente para a BBC News, Mishov revelou alguns dos problemas flagrantes que as Forças Armadas russas estavam a enfrentar, depois de sofrer perdas terríveis, nos últimos quase quinze meses de guerra brutal.
O aviador de 26 anos era piloto de helicóptero, com base na região de Peskov, e tentou deixar o exército em janeiro de 2022, antes do início da guerra. Mas sua papelada não foi concluída antes de 24 de fevereiro e ele foi forçado a ficar.
Mishov foi, assim, enviado para a Belarus, onde voou em missões de entrega de carga. Ele afirmou que nunca havia lutado na Ucrânia, embora a BBC News não tenha podido confirmar esta parte da história.
Na foto, o presidente da Belarus, Alexander Lukashenko.
Em abril de 2022, Mishov retornou à Rússia e tentou terminar sua desativação do exército. Entretanto, o processo demorou muito e, quando Putin anunciou a mobilização parcial de cidadãos, Mishov foi informado de que não teria sua permissão concedida. Foi quando ele pensou em fugir, pela primeira vez.
"Sou um oficial militar, meu dever é proteger meu país de agressões, não preciso me tornar cúmplice de um crime. Ninguém nos explicou por que essa guerra começou, por que teve que atacar os ucranianos e destruir suas cidades?", disse Mishov à BBC News.
A declaração de Mishov coincide com os primeiros relatos da invasão sobre que os soldados não tinham ideia de que estavam envolvidos em um conflito real. “Falando francamente, eles nos enganaram”, disse um oficial russo capturado, em um vídeo de 4 de março de 2022, segundo o The Guardian.
“Tudo o que nos disseram era falso. Eu diria aos meus homens para deixarem o território ucraniano. Temos famílias e filhos. Acho que 90% de nós concordaria em ir para casa” acrescentou o oficial ouvido pelo The Guardian, confirmando as declarações de Mishov.
Mishov disse à BBC News que, ao ver o que estava a acontecer em território ucraniano, os militares russos entenderam que os relatórios emitidos pelo Estado não eram verdadeiros.
"Entre os militares, ninguém acredita mais nas autoridades. Eles não são alguns civis na frente da televisão".
Mishov também disse à BBC News que não foram as perdas de equipamentos a prejudicar os esforços da Rússia, e sim as de pilotos e dos poucos profissionais treinados disponíveis para pilotar os sistemas do país.
"Agora eles podem substituir os helicópteros, mas não há pilotos suficientes", disse Mishov. "Se compararmos isso com a guerra no Afeganistão, na década de 1980, sabemos que a União Soviética perdeu 333 helicópteros lá. Acredito que experimentamos as mesmas perdas em um ano", acrescentou.
De fato, no dia 20 de junho, o Estado-Maior da Ucrânia afirmou que suas Forças Armadas destruíram 306 helicópteros russos. Já o grupo de inteligência de código aberto Oryx confirmou, visualmente, que pelo menos 90 helicópteros da Rússia foram danificados, capturados ou destruídos.
Em janeiro, Mishov foi informado de que seria enviado a uma missão e, percebendo que isso, provavelmente, significava ser enviado para a Ucrânia, decidiu fugir.
"Eu não estava a me recusar a servir no exército como tal. Eu serviria ao meu país se ele enfrentasse uma ameaça real. Eu apenas me recusava a ser cúmplice de um crime", disse Mishov à BBC News.
“Se eu tivesse embarcado naquele helicóptero, haveria tirado a vida de várias dezenas de pessoas, no mínimo. Eu não queria fazer isso. Os ucranianos não são nossos inimigos”, disse.
Mishov não revelou a rota que fez para deixar a Rússia, mas disse que passou por um bosque onde temia ser pego por guardas de fronteira russos. Se isso acontecesse, ele sabia que iria para a prisão.
Felizmente, Mishov chegou à União Europeia, embora, provavelmente, agora, seja um alvo do governo russo, depois de falar, publicamente, sobre o que fez.