Kirill I, o controverso patriarca da Igreja Ortodoxa Russa
De acordo com meios de comunicação europeus como France Presse e Politico, a União Europeia poderia aplicar sanções ao patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Kirill (Cirilo) I, como parte do 6º pacote de medidas contra a Rússia.
O documento do SEAE (Serviço Europeu de Ação Externa) consultado pelo jornal italiano Politico prevê uma lista de 58 personalidades russas, a maioria soldados, a quem a UE poderá decidir aplicar novas medidas restritivas.
“O Patriarca Kirill é encarregado de apoiar ou implementar ações ou políticas que minam ou ameaçam a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia, bem como a estabilidade e a segurança no país” diz o jornal Politico. Mas quem é esse homem e por que tem tanto poder?
Muitas controvérsias circularam ao redor da figura de Kirill I, uma figura influente na geopolítica mundial, principalmente desde que a guerra na Ucrânia começou.
Para começar, Kirill I tem uma ligação estreita com os líderes políticos russos, especialmente com presidente Vladimir Putin, segundo a BBC. A Igreja Ortodoxa Russa tem um número impressionante de fiéis - cerca de 150 milhões (um terço dos cristãos ortodoxos do mundo, segundo o documento 'Deus Salve a Rússia'). Não é de surpreender que seu líder desempenhe um papel importante dentro e fora dela.
Putin deve poder contar com o apoio dos ortodoxos russos e Kirill, por sua vez, com o do Kremlin, para manter sua posição de líder na hierarquia eclesiástica russa.
Para ter uma ideia do poder de Kirill, basta saber que, desde 2010, cerca de 50 igrejas foram construídas e muitas outras estão em construção em Moscou. A cidade é a sede do Patriarcado, ou melhor, da Igreja Ortodoxa Russa. O Patriarca preside mais de trinta e seis mil paróquias.
De fato, outros líderes entenderam que ele não deve ser subestimado. Figuras proeminentes do cenário mundial, como Barack Obama, o Papa Francisco, o presidente chinês Xi Jinping ou o líder sírio Bashar al-Assad já o encontraram.
Foi sob o patriarcado de Kirill, de fato, que as relações com a Santa Sé foram parcialmente resolvidas, remendando uma ferida que remontava ao Cisma Oriental de 1054.
Em 2016, Papa Francisco e Kirill I deram um abraço histórico que parecia ser uma mensagem de paz entre as Igrejas cristãs do Oriente e do Ocidente. Mas agora, eles novamente parecem distantes. A causa, claro, é a guerra na Ucrânia.
Em 15 de março de 2022, os dois líderes religiosos mantiveram uma conversa online. Enquanto o Vaticano falou de um encontro "motivado pelo desejo de apontar um caminho para a paz" e de "depor armas", segundo o jornal La Repubblica, o lado russo disse que "as duas partes sublinharam a importância excepcional do processo de negociação em andamento, expressando sua esperança de alcançar uma paz justa o mais rápido possível".
Apesar de um primeiro (e altamente criticado) momento de silêncio sobre a guerra na Ucrânia, as últimas declarações de Kirill I não deixam margem para dúvidas. The Guardian lembra das palavras usadas por ele para descrever Putin: "milagre de Deus".
Ainda de acordo com o jornal britânico, "enquanto as bombas choveram sobre as cidades ucranianas, Kirill declarou que é 'a verdade de Deus que os povos da Rússia, Ucrânia e Belarus devem ser unidos em um só povo espiritual'".
Por outro lado, embora tenha sido chamado pela revista Famiglia Cristiana de "portador da guerra", o líder da Igreja Ortodoxa raramente usou a palavra "guerra", em suas homilias, apesar de aludir a ela muitas vezes.
De fato, seus sermões estão longe de louvar a paz e denunciar as tragédias da guerra. Na homilia dominical do Perdão, por exemplo, proferida do púlpito da Catedral de Cristo Salvador em Moscou, as palavras usadas por Kirill sobre o "surto de hostilidades" foram bastante incendiárias.
O chefe da Igreja Ortodoxa justificou a eclosão da guerra da seguinte maneira, segundo La Repubblica: "Há 8 anos, houve tentativas de destruir o que existe no Donbass, onde há uma rejeição fundamental dos chamados valores que são oferecidos hoje por aqueles que reivindicam o poder mundial".
“Estamos falando de algo muito mais importante que a política. Estamos falando de salvação humana... entramos em uma guerra que não tem um significado físico, mas metafísico”, disse o patriarca, conforme relatado por Il Fatto Quotidiano.
E acrescentou, segundo a CNN: “Para entrar no clube desses países, é preciso organizar um orgulho g a y. Não fazer uma declaração política, dizer 'estamos com vocês', nem assinar nenhum acordo, mas sim organizar uma parada g a y".
Kirill também teria declarado: "a maioria dos países do mundo está agora sob a influência colossal de uma força, que hoje, infelizmente, se opõe à força de nosso povo (...) Nós também devemos ser muito fortes. Quando digo "nós", quero dizer, em primeiro lugar, as forças armadas, mas não só. Todo o nosso povo hoje deve acordar, entender que chegou um momento especial, do qual depende o destino histórico do nosso povo”.
O Ocidente seria para Kirill, portanto, responsável pela eclosão do conflito na Ucrânia, em sua estratégia de enfraquecer o poder da Rússia e "fazer inimigos dos povos irmãos" sem poupar "esforços e fundos para inundar a Ucrânia com armas e instrutores de guerra", como relata Avvenire.
Apesar das nuances distintas, a retórica usada por Kirill lembra a de Putin, o que confirma a estreita ligação entre os dois e, provavelmente, a influência mútua exercida pela Igreja Ortodoxa Russa e pelo Kremlin.
Cyril Hovorun, professor de eclesiologia e relações internacionais, disse à Al Jazeera: “Não se trata apenas da submissão completa da Igreja às autoridades políticas. A Igreja também tentou influenciar o Kremlin. E, em certo sentido, teve sucesso, porque o Kremlin em algum momento adotou a linguagem política da Igreja, que se transformou na ideologia do mundo russo. Essa ideologia nasceu com a Igreja e mais tarde foi usada como arma pelo Kremlin."
Kirill, nascido Vladimir Mikhailovich Gundjaev, nasceu em 1946, na época de Leningrado, em uma família humilde de dissidentes religiosos. Seu avô foi preso no campo de concentração das ilhas Solovetsky, onde passou 30 anos.
Monge desde 1969, sua carreira eclesiástica foi meteórica. Ele terminou seus estudos na Academia Teológica de Leningrado-São-Petersburgo, da qual se tornou professor e depois reitor. Logo, foi nomeado primeiro bispo de Vyborg (1976), depois arcebispo de Smolensk (1984) e, em 1988, de Kaliningrado e finalmente metropolitano (1991), subindo a escada hierárquica da Igreja com alguma habilidade ortodoxa russa.
Em 1989, o então Patriarca Aleixo II o escolheu como chefe do Departamento de Relações Externas da Igreja e membro permanente do Santo Sínodo, aproveitando seus talentos de diplomata.
Em 27 de janeiro de 2009, após a morte de Alexis II, Kirill foi eleito patriarca, o 16º na história da Igreja Ortodoxa Russa, com grande maioria dos votos: 508 de 702 .
Kirill nunca foi um reformador, nem um modernizador completo: segundo o Sun24ore, ele se oporia, a qualquer reforma da Igreja no sentido litúrgico ou doutrinal. Com Putin, ele é antes o promotor de um pensamento e visão puramente conservadores, que ataca e critica o modelo ocidental.
No entanto, parece que ele não está totalmente imune aos “pecados do materialismo ocidental” e à intriga. Ao longo dos anos, falou-se de seu possível passado como agente da KGB (quando provavelmente conheceu Putin) e muitas atividades obscuras, como a importação isenta de impostos de t a b a c o, álcool e comida no Iraque.
Com essas atividades, teria acumulado uma fortuna 'decente', que incluiria propriedades e iates, além de um relógio de US$ 30.000 que apareceu no seu pulso em uma fotografia. O escândalo foi tamanho que a foto foi retocada com Photoshop, mas esqueceram de apagar o reflexo do relógio "misterioso" na mesa.