Os chocantes depoimentos de soldados russos na Ucrânia
Em que momento um soldado pode decidir dar as costas à sua pátria (ou à pessoa que lidera essa pátria e envia tropas para lutar contra uma nação irmã)?
Na Ucrânia, muitos deles têm plena convicção de que o que estão fazendo lá é injusto. Outros sentem que foram enviados para o matadouro.
A CNN obteve o testemunho de um oficial (cujo nome não foi revelado) enviado à Crimeia. Ele e seus colegas de batalhão foram levados a uma guerra que pensavam que nunca aconteceria.
O militar que prestou o seu testemunho à CNN garante que nem sequer foram instruídos sobre a "desnazificação" da Ucrânia: "Muitos não entenderam para que era tudo isso e o que estávamos fazendo lá".
O homem contou à CNN como, depois de ver a rejeição que a presença russa causou entre o povo da Ucrânia, decidiu pedir para sair.
A Rússia avisou-lhe que um processo criminal poderia ser aberto contra ele. O soldado não hesitou e, finalmente, foi liberado, mas nem em todos os casos é tão fácil.
Dentro da densa fumaça causada pela propaganda de um lado ou de outro, a verdade é que um bom número de soldados russos teriam se recusaram a lutar na Ucrânia, há alguns meses. Um deles, também anônimo, disse à Reuters: "Esta não é a nossa guerra".
De acordo com o soldado com quem a Reuters conseguiu falar, o exército russo nem sequer cumpre suas promessas.
“(Na Rússia) nos alinharam e nos disseram que todos receberiam diárias, extras para lutar e medalhas”, conta. Nada disso lhes foi dado e decidiram ir embora. "Éramos 14”, conta.
Pouco tempo depois do início da guerra, as autoridades ucranianas garantiram que as renúncias ocorriam diariamente em toda a hierarquia (soldados, oficiais, unidades básicas ou de elite) e que em alguns batalhões chegava a 70%.
Valentina Menlikova, do Comitê de Mães de Soldados Russos, confirmou o movimento, embora o número exato não pôde ser confirmado.
De acordo com o Comitê de Mães de Soldados, a renúncia devia ser apresentada a um superior, que era quem a autorizaria ou não, segundo sua boa vontade.
Há pouco triunfalismo nos depoimentos de pessoas que desistiram de lutar na Ucrânia. "Estávamos sujos e cansados. As pessoas ao nosso redor estavam morrendo. Eu não queria fazer parte disso", disse o soldado à CNN.
A Ucrânia calculou, na época, que 29.200 soldados russos haviam sido mortos nesta guerra, segundo a Deutsche Welle. Mas, sete meses depois, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, diz que este número chega à "apenas" 6 mil.
No início dos combates, a Ucrânia divulgou vídeos de soldados russos capturados, que eram autorizados a falar com suas mães por telefone. Eles admitiram que estavam atirando em alvos civis. Aliás, essas gravações são contrárias à Convenção de Genebra: os prisioneiros não podem ser exibidos ou usados de nenhuma forma.
Outro vídeo viral mostra soldados dizendo que voltavam para casa com o sentimento de terem sido "enganados", já que foram informados de que iriam à Ucrânia apenas para realizar manobras militares.
Em 21 de setembro de 2022, o presidente russo Vladimir Putin anunciou uma "mobilização parcial" de reservistas militares na Rússia.
Homens de todo o país tentaram fugir para evitar ir à guerra. Os voos esgotaram ou subiram a preços inatingíveis, e longos engarrafamentos se formaram na fronteira com a Finlândia.
Russos de várias idades saíram às ruas para protestar contra a mobilização. Mais de duas mil pessoas foram presas. Houve denúncias de que inclusive homens com isenção médica ou falta de treinamento militar haviam sido recrutados.
Sergei Shoigu disse que a mobilização parcial do exército russo foi concluída em 28 de outubro de 2022. No total, 300 mil homens foram convocados. Destes, 218.000 estariam em treinamento e 82 mil foram enviados para a zona de conflito.