A preocupante fuga de especialistas em tecnologia da Rússia
Além das sanções financeiras impostas à Rússia pelos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, desde que a invasão da Ucrânia, o Kremlin vem sofrendo com uma forte crise no setor de tecnologia.
Desde o início do conflito, Rússia perdeu uma parte significativa de seus especialistas em TI (tecnologia da informação). Eles têm deixado o país para irem trabalhar em outros lugares.
Alguns, inclusive, abriram mão da nacionalidade russa, para garantir que seus negócios continuassem prosperando. Foi o caso de Yuri Milner (foto), o bilionário investidor em tecnologia, e Oleg Tinkov, fundador do Tinkoff, o banco online.
A revista MIT Technology Review citou dados divulgados pelo governo russo, revelando que aproximadamente 100 mil trabalhadores de TI saíram da Rússia em 2022.
Este número assusta, já que representa cerca de 10% da mão de obra especializada do setor.
Trabalhadores com cargos diretivos altos também desistem de seguir carreira na Rússia. É o caso de Vladimir Belugin, diretor comercial de pequenas e médias empresas da Yandex, a Google russa.
Segundo a MIT Technology Review, Vladimir Belugin deixou seu país apenas sete dias após o início da guerra, pois sabia que tudo mudaria a partir de então, tanto para ele como para sua empresa.
Além do êxodo de trabalhadores e das sanções financeiras, mais de mil empresas reduziram ou interromperam suas operações na Rússia, entre elas, importantes empresas de tecnologia.
A Dell, por exemplo, anunciou, em agosto de 2022, que deixaria de exercer suas atividades na Rússia, fechando escritórios e suspendendo as vendas no país, segundo informou o Olhar Digital.
Outras grandes do setor tecnológico que deixam a federação russa são a Nokia e a Ericsson. De acordo com a Reuters, um porta-voz da Nokia disse: "Manteremos uma presença formal no país até que o encerramento legal da empresa seja concluído".
Em paralelo, a gigante Meta, proprietária do Facebook e do Instagram, dificulta o acesso a páginas da mídia estatal russa, além de enviarem um aviso aos usuários que tentem compartilhar tais links.
Já a Google baniu anúncios dos meios de comunicação estatais russos, enquanto o Youtube, subsidiário da Google, proibiu a mídia russa de monetizar através da plataforma, segundo a CNN Brasil.
O resultado de tudo isso é o isolamento do país, que fica de fora do cenário tecnológico mundial, bem como fechada a possíveis financiamentos estrangeiros e intercâmbios científicos.
A Yandex, um dos maiores êxitos tecnológicos da Rússia, é uma multinacional especializada em serviços relacionados à Internet e que opera o maior mecanismo de busca online no país. A empresa foi vendida a VKontakte, a versão russa do Facebook, que é estatal.
Isto significa que a guerra impulsionou a um controle estatal ainda maior, impondo à população acesso a uma internet nacional, totalmente controlada pelo Estado.
Mas por que o caos instaurado na Yandex representa um impacto tão grande no setor tecnológico russo?
A Yandex operava a nível mundial e tinha, inclusive, uma parte da empresa registrada nos Países Baixos, competindo com as grandes dos EUA e considerada uma das melhores do mundo.
Para que se tenha uma ideia, na Rússia, a Yandex tinha mais mercado no setor de buscas que a Google e dominava grande parte do mercado digital, incluindo as notícias, ressaltou a publicação da MIT.
Quando, em fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia, alguns funcionários da Yandex deixaram o país no mesmo dia.
No total, 70% das informações que circulavam nas páginas da Yandex, nas semanas seguintes à invasão, procediam de meios de comunicação estatal e diziam que a Rússia estava "desnazificando" o país vizinho.
As consequências foram terríveis. As ações da Yandex deixaram de cotizar na bolsa de Nasdaq, depois que Tigran Khudaverdyan (foto), diretor executivo e CEO da empresa, foi sancionado pela UE, deixando seu cargo.
Ainda segundo a MIT, a empresa será dividida. A parte russa vai controlar as principais atividades e negócios, liderada por Alexei Kudrin (foto), ex-minitro das finanças, economista e amigo de Putin, e outra parte terá sede nos Países Baixos, sua antiga matriz.
Sem dúvida, o rumo do setor tecnológico mudou radicalmente, desde que a guerra começou, mas a Rússia parece resistir tanto à perda da mão de obra como às sanções econômicas.
Maxim Mironov, professor de finanças da IE Business School, em Madri, disse à Deutsche Welle, em setembro de 2022: "Mesmo que a economia russa tenha um desempenho pior do que há seis meses, isso não é suficiente para impedir Putin de financiar a guerra".
Segundo Rolf J. Langhammer, especialista em comércio e ex-vice-presidente do Instituto para Economia Mundial (IfW), de Kiel, , disse à DW, "o Fundo Monetário Internacional (FMI) escreveu em 2021 que a Rússia havia acumulado dinheiro desde o conflito de 2014 no leste da Ucrânia e a anexação da Crimeia e estava preparada para uma guerra de desgaste".
Alexander Mihailov, professor associado de economia da Reading University, no Reino Unido, explica: "No Ocidente, você tem uma inflação de 10%, e as pessoas estão realmente com medo e exigem que os políticos façam algo. A sociedade russa não funciona assim. Então, Putin tem mais margem de manobra para que o padrão de vida diminua entre 20% e 30%, sem o risco de uma grande resistência".
Um relatório da Gartner, publicado no final de 2021, antes de começar a guerra, dizia que o déficit de trabalhadores digitais qualificados poderia aumentar em 50%, até 2025, segundo a MIT.
Enquanto tenta unir esforços para garantir sua projeção futura, a Rússia também tenta atrair de volta tanto jovens como experientes talentos da tecnologia. Até quando terá fôlego?