A teoria da conspiração sobre a existência de um povo "reptiliano"

Milhares de pessoas ao redor do mundo acreditam que existe uma espécie de réptil com a capacidade de tornar-se humano. Para o teórico da conspiração, David Icke, os "reptilianos" estariam infiltrados na sociedade e teriam más intenções.

Pode parecer brincadeira, mas a teoria ganhou tanta notoriedade, que as autoridades da Austrália, Alemanha e Holanda, bem como uma rede de livrarias canadense, baniram David Icke de eventos públicos, pois consideram sua teoria perigosa e antissemita.

Antes de explicar os problemas que a teoria causa na sociedade, é importante entender como surgiu a ideia dos "humanoides reptoides".

A teoria surgiu de uma discussão sobre a origem dos répteis como espécie. Alguns adeptos acham que os "reptilianos" atuais são a evolução de uma raça pré-humana, enquanto outros acreditam que eles vêm do espaço sideral.

Foto: Albert Antony/Unsplash

Uma das teorias mais apoiadas diz que os "reptilianos" são originários da estrela Alpha Draconis, que fica na constelação de Draco (Dragão).

Outros acreditam que os "reptelianos" podem haver evoluído de uma espécie de dinossauro. Os adeptos dessa teoria inspiraram-se nas ideias de Carl Sagan (foto), divulgador científico e autor do livro 'Os Dragões do Éden'. Aliás, ele ganhou o Prêmio Pulitzer por essa obra, em 1978.

"Será mera coincidência que o som emitido pelo homem para chamar a atenção tenha tanta semelhança com o silvo dos répteis?" A pergunta de Sagan levou seguidores da "fé reptiliana" a pensarem que o cientista confirmava suas ideias.

Apesar de não haver evidências que comprovem sua existência, os seguidores desta crença atribuem uma série de habilidades sobre-humanas a estes seres, como mudar de aparência, camuflar-se e esconder-se entre celebridades, líderes, monarcas e religiosos.

David Icke, um ex-jogador de futebol britânico (ex-goleiro do Hereford United), fez carreira como escritor e palestrante sobre tópicos de conspiração. Em 1999, publicou sua teoria sobre os répteis, em seu livro 'O Maior Segredo'.

Ele garante que os répteis estão entre nós. Além disso, alega que fazem parte da elite que governa o mundo. Essas declarações fizeram com que Icke ganhasse milhares de seguidores, bem como uma fortuna.

Icke afirma que os "humanoides reptoides" vivem entre nós com o propósito de escravizar os humanos. A afirmação soa tão improvável, que parece ingênua. Mas, de acordo com especialistas no holocausto, ativistas e membros de grupos antidifamação, a teoria tem muitas semelhanças com o pensamento antissemita.

Bart Wallet, professor de estudos judaicos na Universidade de Amsterdã, explicou na Rádio 1 da Holanda que a teoria da conspiração de Icke contém "pensamentos e expressões antissemitas". Segundo Wallet, a ideia dos répteis é baseada em uma velha imagem antissemita, na qual os judeus eram retratados como cobras ou lagartos.

Imagem: Panfleto de propaganda alemã, Philadelphia Holocaust Memorial (philaholocaustmemorial.org)

A teoria "reptiliana" é uma reminiscência de representações antissemitas clássicas, como o panfleto desta foto, 'O Perigo Judaico', atribuído ao russo Mathieu Golovinsky, de 1938. Nesses escritos, os judeus eram retratados como seres desumanos, empenhados na dominação global. Conforme explica o professor, eles são "os bandidos" e todas as outras pessoas são "inocentes".

Imagem: USC Shoah Foundation Yad Vashem, domínio público

Embora David Icke tenha feito comentários inócuos, afirmando ser o filho de Deus ou que a lua é uma construção artificial, suas teorias da conspiração contra os judeus são notórias. Ele fez um falso relato à BBC, por exemplo, dizendo que o coronavírus havia se espalhado pela radiação 5G e que um grupo judeu estava por trás disso.

Para reforçar sua teoria sobre os "humanoides reptoides", David Icke baseia-se principalmente em uma lenda que circula entre a tribo Hopi. Ela sugere que havia uma série de túneis abaixo de Los Angeles, habitados por uma raça de lagartos, há cerca de 5 mil anos. No ano de 1933, o engenheiro de minas, G. Warren Shufelt, chegou a dizer que havia encontrado tais túneis.

Outro autor, o americano Scott Alan Roberts, baseia-se na mitologia e em elementos de culturas antigas para confirmar as teorias sobre os "reptilianos".

Alguns exemplos: o contorcionista Atum, deus criador egípcio; Quetzalcotl, a deusa serpente de plumas preciosas dos maias; Enki/Ea, a serpente de dupla hélice da literatura suméria antiga; e, finalmente, a serpente bíblica Nahash, do Jardim do Éden.

Nos dias atuais, a teoria da conspiração do "povo reptiliano" tornou-se parte da cultura pop em todo o mundo. Na maioria dos casos, é ridicularizada, enquanto em outros sua legitimidade é aceita.

A teoria foi tão difundida, que o terceiro episódio da série animada da Netflix, 'Inside Job', mostra Taylor Swift e a falecida rainha Elizabeth II, da Inglaterra, como répteis. Ambas revelam sua aparência reptiliana durante uma festa.

Os teóricos da conspiração frequentemente apontavam a Rainha como uma suspeita "reptiliana", afirma a revista Time.

Presidentes dos Estados Unidos, como Donald Trump e Barack Obama, também são suspeitos de serem répteis. O mesmo vale para celebridades como Justin Bieber. Parece que quando uma pessoa tem sucesso ou ascende ao poder, a sombra reptiliana é rapidamente lançada sobre ela.

Quanto ao fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, seus gestos e expressões faciais foram analisados com a suspeita de que ele pudesse ter origens não humanas. Obviamente, não há qualquer evidência que comprove a suspeita. Além disso, vale ressaltar que os teóricos muitas vezes utilizam vídeos manipulados e imagens falsas.

Embora pareça um simples motivo de piada, a teoria reptiliana, infelizmente, tem aspectos preocupantes, como comentamos anteriormente.

Quando palestrantes influentes, como David Icke, usam a teoria para sugerir um complô do "mal", em que supostamente há uma elite que quer dominar o mundo, as consequências podem ser graves, levando seus seguidores a agir violentamente contra essas elites.

Em outubro de 2022, as autoridades locais holandesas negaram a ida de David Icke ao país, alegando que seu discurso "causaria tensões entre diferentes grupos e perturbaria a ordem pública", segundo informou a BBC.

De fato, Icke foi proibido de entrar na Holanda e, como consequência, em toda a comunidade Schengen, incluindo 26 países europeus, por dois anos. A rígida medida é uma indicação de que os governos não estão dispostos a permitir a disseminação de teorias da conspiração, sobretudo com discursos de fundo discrminatório.