E se a Rússia estiver a ganhar a guerra da Ucrânia?
Recentemente, Vladimir Putin fez uma declaração, com ar vitorioso e desafiador, sobre a guerra na Ucrânia: "Ainda não começamos nada a sério".
O tom era otimista. Mas a guerra está a ir tão bem para a Rússia? Putin está a ganhar sua batalha contra Zelensky (foto)? O que dizem os dados concretos e qual é o veredito dos especialistas?
Max Hastings, especialista em conflitos bélicos, escreveu em Bloomberg: "A Rússia está a fortificar os territórios ocupados. Apesar das surpreendentes perdas e a moral baixa de seu exército, Putin tem, à sua disposição, um inventário de armas não usado".
A forma como o povo ucraniano resistiu à invasão russa nos primeiros dias, sob a forte liderança de Zelensky, deu a impressão de que Putin havia perdido a aposta. Ele não conquistou Kyiv em poucas horas, nem outros territórios, e sim após semanas de luta árdua.
Prolongar a guerra e transformá-la em um conflito de desgaste é algo que convém a um país como a Rússia, com muito mais recursos bélicos que a Ucrânia.
E é isso que está acontecendo agora. Uma guerra que se arrasta sem que fique claro o quanto mais a Ucrânia pode suportar. Por enquanto, o Ocidente apoia Zelensky, mas se a guerra durar, esse apoio pode desaparecer.
Matthew Sussex (Centro da Universidade Nacional Australiana para Estudos Estratégicos e de Defesa) disse, em um artigo para The Conversation: “A invasão russa da Ucrânia não terminará tão cedo, e Putin tem o curto período de atenção do Ocidente”.
O compromisso da Europa com a Ucrânia será posto à prova se a Rússia cortar o gás para países como Alemanha ou Hungria, no inverno. Nesse caso, a opinião pública desses países pode defender uma negociação com Putin em vez de sofrer.
O que está claro é que Putin não tem cedido e está disposto a continuar enviando soldados para a Ucrânia. New York Times falou de uma "mobilização furtiva" das autoridades russas.
O movimento inclui recrutamento massivo em troca de mais dinheiro e tentativa de atrair jovens ideologizados em defesa da pátria.
Também há a questão de saber se as sanções econômicas contra a Rússia têm sido tão eficazes quanto se acredita. Por enquanto, a realidade é que a economia do país não entrou em colapso.
A Rússia conta com um grande consumo interno. Exemplo disso é o fato do McDonald's fechar seus 850 estabelecimentos no país e, imediatamente, eles serem adquiridos pelo milionário russo Alexander Govor. Continuaram a operar, com outro nome, em plena capacidade.
Além disso, há países que continuam a comprar petróleo ou outros produtos à Rússia. Para o Business Insider, um alto funcionário do governo ucraniano afirmou que a Rússia estaria a ganhar cerca de 1 bilhão de dólares por dia com a venda de petróleo.
O valor é maior do que antes da guerra (o preço do petróleo disparou) e foi citado muitas vezes como um exemplo da força da Rússia como exportadora de matérias-primas, apesar da guerra e das sanções.
Embora a inflação tenha subido na Rússia (ultrapassou 17%), está controlada, no momento. Mas este é um problema mundial e na União Europeia já existem nove países que ultrapassaram os 10%.
Larry Eliott, colunista do The Guardian, foi contundente ao intitular uma de suas análises da seguinte forma: "A Rússia está a vencer a guerra econômica e Putin não está mais perto de retirar as tropas".
Para governos como os da China, Índia ou muitos da América Latina, a guerra na Ucrânia é uma questão interna que não os impede de fazer negócios e ter relações estáveis com a Rússia.
Portanto, o isolamento de Putin é relativo, não importa o quanto a propaganda ocidental fale de sua solidão.
Todo esse panorama significa que há cada vez mais vozes críticas ao triunfalismo ocidental e dando à Rússia certa vantagem nessa guerra.
Resta, é claro, a heróica resistência ucraniana. A guerra levantou um povo cuja coesão e dedicação surpreenderam o mundo. Mas isso é suficiente para vencer uma guerra? Zelensky sabe que não e por isso pede armas.
Foi o próprio Zelensky quem, segundo a Aljazeera, disse, em junho, que os russos controlavam 20% do território ucraniano.
Em três meses, o país invasor conseguiu abrir um corredor ao longo da costa do Mar de Azov, de Donetsk à península da Crimeia. Odessa é seu próximo alvo.
Outra questão pertinente é até que ponto Putin quer dominar o território. Já está claro que ele não quer subjugar toda a Ucrânia, mas negociar quando conseguir o pedaço do bolo que deseja.
Depois de um início de invasão em que a Rússia estava superconfiante e logo teve que frear, Putin, agora, aplica uma estratégia paciente. E espera chegar o "inverno total", que derrotou Napoleão e assusta a Europa pela possibilidade de restrições energéticas, crises e fome na África.