O surpreentente impacto da ayahuasca no cérebro, segundo estudo
Com milhares de adeptos no Brasil e no mundo, o chá de ayahuasca despertou o interesse da ciência, que quer entender como a substância afeta o cérebro humano.
A ayahuasca é uma bebida alucinógena, preparada a partir de cascas e folhas de plantas sul-americanas, tradicionalmente usada por povos amazônicos, para fins medicinais ou religiosos.
Há indícios de que os humanos tenham usado a ayahuasca pela primeira vez, há, pelo menos, mil anos.
Um estudo feito por cientistas da Imperial College London obteve resultados abrangentes, mostrando como a substância impacta a qualidade da experiência consciente nos indivíduos.
Publicado em março de 2023, no jornal científico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), o estudo foi o primeiro a coletar dados tão detalhados sobre os efeitos do psicolédico (ou psicadélico, em Portugal) causados no cérebro.
Para realizar esta pesquisa, foram convidados 20 voluntários saudáveis, que receberam uma dose intravenosa de 20mg do principal composto psicoativo da ayahuasca, chamado DMT (dimetiltriptamina).
Logo, foram analisados dados detalhados das imagens cerebrais dos voluntários antes, durante e depois da exposição à substância.
Uma resumo publicado na página do Imperial College London revelou como o potente composto psicodélico, DMT, alterou as funções cerebrais.
Para visualisar a reação do cérebro, os voluntários submeteram-se a dois tipos de análise: ressonância magnética funcional (fMRI) e electroencefalografia (EEG).
No total, a experiência psicodélica durou 20 minutos, durante os quais os pesquisadores pediam aos participantes que classificassem a intensidade da experiência, numa escala de 0 a 10, com intervalos regulares.
No final, pôde-se observar um aumento da conectividade no cérebro, com maior comunicação entre diferentes partes. As maiores mudanças ocorreram em áreas cerebrais de "nível mais elevado", como a imaginação.
Além disso, constatou-se que a exposição ao DMT alterou particularmente as áreas responsáveis pela linguagem, memória e tomada de decisões complexas, causando um profundo impacto no cérebro dos voluntários, segundo o The Guardian.
Em outras palavras, as regiões cerebrais a partir das quais projetamos a realidade ficaram hiperconectadas e a comunicação entre diferentes áreas do cérebro tornou-se mais fluida e flexível.
Na prática, "as pessoas que já tomaram ayahuasca descreveram a sensação de estar num outro mundo, incrivelmente imersivo e complexo", disse o fundador do Centro de Investigação Psicodélica do Imperial College London, e autor do artigo, Robin Carhart-Harris, ao The Guardian.
"Algumas pessoas relataram estar em companhia de seres que detêm um poder especial sobre elas, como deuses", acrescentou Carhart-Harris.
O cientista salientou ainda: "O cérebro mudou o modo de funcionamento para algo radicalmente mais anárquico."
Hoje, Carhart-Harris é professor de neurologia e psiquiatria da Universidade da Califórnia, em São Francisco, nos EUA.
Outra descrição sobre os efeitos do ayahuasca, publicado pelo Imperial College London, diz que o estado de consciência alterado provoca visões b i z a r r a s e distorcidas, além da sensação de estar em uma dimensão alternativa, semelhante à descrita por quem já viveu experiências próximas da morte.
Christopher Timmermann, outro autor do artigo, destacou: "Quanto mais forte a intensidade da experiência, mais hiperconectadas eram as áreas do cérebro".
Atualmente, é pós-doutorando no Imperial College London, onde lidera o grupo de pesquisa em DMT, especializado em psicodélicos. Seu trabalho empírico e teórico concentra-se na neurociência, psiquiatria, psicologia e ética dos psicodélicos e suas aplicações na saúde mental.
Foto: Instagram @christophertimmermann
"Os psicodélicos, de fato, podem ser ferramentas científicas extremamente poderosas para promover a compreensão de como a actividade cerebral se relaciona com a experiência consciente", disse Carhart-Harris.