Por que meninas estão a ser envenenadas em escolas do Irã?
Centenas de meninas, colegiais ou universitárias, têm sido alvo de ataques com gás, no Irã. O terrível fenômeno pode significar uma espécie de retaliação pela presença feminina em recentes manifestações organizadas no país, segundo especialistas.
Oficialmente, o primeiro caso de envenenamento de estudantes foi relatado na cidade de Qom, a sudoeste de Teerã. Segundo a BBC, 18 meninas, com cerca de 10 anos, tiveram que ser levadas ao hospital, em 30 de novembro de 2022, após adoecer gravemente.
Desde essa data, mais de 50 estabelecimentos foram afetados, segundo dados da contagem oficial de Teerã.
No dia 5 de março de 2023, novos casos foram relatados no oeste do Irã. Segundo a agência de notícias estatal Isna, as meninas envenenadas eram de dois colégios femininos, em Abhar e Ahvaz, e de uma escola infantil em Zanjan.
A intoxicação ocorre por via respiratória. As jovens iranianas descrevem um cheiro "desagradável" ou de "fruta podre", que causa-lhes náuseas, dor de garganta, tonturas, dificuldades respiratórias, vômitos e mal-estar.
Segundo a BBC, o processo e os sintomas são os mesmos a cada ataque. Felizmente, a maioria das crianças se recupera em 24 horas.
No Irã, muitos acreditam que o objetivo destes envenenamentos é conseguir o fechamento das escolas para meninas, "que têm sido um dos centros das manifestações antigovernamentais desde setembro", segundo a BBC.
Vale lembrar que a morte de Masha Amini, em setembro de 2022, após haver sido presa, pela polícia de moral, por usar o véu incorretamente, provocou movimentos de protesto no país.
A partir daí, um grande número de manifestações eclodiu em outras partes do mundo, para denunciar o regime de Ebrahim Raïsi e defender o direito das mulheres de se vestirem livremente.
O cientista político e sociólogo franco-iraniano Mahnaz Shirali disse à revista Marianne: “As mulheres, inclusive as mais jovens, estão, há meses, na vanguarda das manifestações. É uma vingança contra elas”.
Por enquanto, os autores desses envenenamentos múltiplos ainda não foram formalmente identificados. "Para alguns movimentos de oposição, o regime iraniano está por trás", relata France Info.
Mas, segundo a agência de notícias Isna, o governo defende-se e, por sua vez, denuncia uma "conspiração de inimigos" (sem nomeá-los), que visaria "criar medo e desespero" no país.
Sob pressão das famílias, o governo iraniano acabou por abrir uma investigação sobre os envenenamentos, em 26 de fevereiro. Mas, até o momento, nenhum suspeito foi preso.
Em um comunicado de imprensa publicado no dia 4 de março, o ministro de Interior, Ahmad Vahidi, relatou a descoberta de "amostras suspeitas" durante "pesquisas de campo", sem dar mais detalhes.
A ONU pediu uma "investigação transparente" sobre o assunto. “Estamos muito preocupados com essas alegações de que meninas estão a ser deliberadamente atacadas no que parecem ser circunstâncias misteriosas”, disse Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.
Já a Ministra de Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, disse no Twitter: "As informações sobre meninas envenenadas no Irã são chocantes. Todos os casos devem ser esclarecidos”.
Diante da situação, que reforça um contexto de repressão no Irã, alguns pais iranianos preferiram retirar suas filhas da escola até novo aviso.