Putin pode ser preso por crimes de guerra?
A pergunta se repete desde o início do conflito na Ucrânia, sobretudo quando as primeiras atrocidades supostamente cometidas pelas tropas russas vieram à tona.
Murais como este feito em Wroclaw, uma cidade polonesa, apresentam Putin como um novo Hitler. Mas a realidade é que, para julgar o presidente russo como criminoso de guerra, é necessário provar sua responsabilidade direta nos crimes.
Antes de tudo, é preciso saber o que é considerado um crime de guerra. Assassinatos de civis, maus-tratos de prisioneiros, tortura e genocídio estão incluídos nesta categoria.
É o Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido como Tribunal de Haia, que julga os criminosos de guerra. Foi o que fez com o ex-presidente da Iugoslávia, Slobodan Milosevic.
Milosevic morreu em uma cela, antes de seu julgamento terminar. Segundo a autópsia, por causas naturais. Aconteceu no ano de 2006.
Josep Borrell, Alto Comissário da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, comentou, em mais de uma ocasião, que se os criminosos da Guerra Iugoslava fossem levados à Justiça (e, a princípio, parecia impossível), o mesmo poderia acontecer com os russos.
Na imagem, Radovan Karadžić, líder dos sérvios na Iugoslávia, detido em 21 de julho de 2008 e condenado à prisão perpétua por genocídio contra o povo bósnio.
No entanto, caso sejam comprovados os crimes de guerra ordenados por Putin, há um detalhe que dificulta que ele seja julgado em Haia.
Nem os Estados Unidos nem a Rússia aceitam a jurisdição deste tribunal. Ambas as potências recusaram-se a assinar o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
Outros países que não aceitam a jurisdição do Tribunal Penal Internacional são China, Índia, Cuba, Israel e Iraque. Na imagem, palestinos em um prédio bombardeado por forças israelenses na Faixa de Gaza.
De qualquer forma, há três casos em que o Tribunal Penal Internacional pode instaurar um processo: por indicação de um Estado membro do Tribunal (signatário do Estatuto de Roma), por solicitação do Conselho de Segurança da ONU e por pedido do Ministério Público.
Uma vez iniciado o processo, a perseguição internacional é um fato. Na imagem, o Palácio da Paz, sede do Tribunal de Haia.
Mas o dilema a ser resolvido é se Putin é diretamente responsável pelas atrocidades da guerra na Ucrânia. Qualquer conflito bélico tende a excessos, onde inocentes e civis morrem e soldados dão rédea solta à crueldade. Tudo isso é responsabilidade de um presidente?
Um contra-exemplo muito usado é o de George W. Bush, presidente dos Estados Unidos que promoveu a invasão do Iraque, onde suas tropas cometeram afrontas documentadas (lembremos da tortura na prisão de Abu Ghraib). Teria sido pertinente julgá-lo por crimes de guerra?
Organizações humanitárias como a Anistia Internacional pediram o julgamento de Bush e de Tony Blair (primeiro-ministro do Reino Unido entre 1997 e 2007) por crimes de guerra. Eles nunca foram processados.
Erik Larson escreveu no The Washington Post: "Exceto uma mudança de regime em Moscou, as perspectivas não são boas. O TPI não permite julgamentos em ausência, e é improvável que coloque as mãos em Putin ou em seus tenentes".
"(O TPI) depende de seus Estados membros para realizar prisões, e as autoridades russas sempre podem evitar viajar para um país que possa entregá-los", completou.
Mas além da possibilidade de ser julgado, Thomas L. Friedman, colunista do The New York Times, opina: "Quando o líder da Rússia, um país que abrange onze fusos horários, com vastos recursos de petróleo, gás, minerais e mais ogivas nucleares do que qualquer outro, é um criminoso de guerra e deve ser tratado assim a partir de agora, o mundo como o conhecíamos muda profundamente. Nada pode funcionar da mesma forma."
O presidente dos Estados Unidos foi claro. Em uma declaração contundente, feita em abril de 2022, segundo a CNBC, ele disse: "Esse homem (Putin) é brutal, o que está acontecendo em Bucha é escandaloso e todo mundo já viu".
E continuou: "Acho que é um crime de guerra e ele deveria ser responsabilizado”. As palavras foram surpreendentes, já que os líderes internacionais tendem a ser mais cautelosos.
Biden mencionou Bucha, um dos lugares onde as tropas russas realizaram um verdadeiro extermínio (Moscou disse que foi uma armação da Ucrânia).
Por enquanto, o crime de guerra pelo qual Putin poderia responder seria a morte de civis por bombardeios ou por suas tropas no terreno.
Entretanto, teria que ser provado que Putin ordenou esses bombardeios ou massacres. Caso contrário, estaríamos falando sobre desastres de guerra cujos responsáveis estariam abaixo de Putin.
De qualquer forma, as tropas de Putin não pararam seu fogo de artilharia em cidades como Mariupol e Odessa, onde muitos civis morreram.
O horror provocado pela bomba atômica lançada sobre Hiroshima pelos Estados Unidos está sempre no centro do debate moral sobre o que é ou não considerado crime de guerra. Neste episódio da história mundial, morreram mais de 200 mil pessoas.
O fato é que Putin é visto nos Estados Unidos e em muitos países europeus como um perfeito vilão, mas em outras latitudes, seu comportamento em defesa de uma grande Rússia tem conotações heróicas.
Veja também: O plano de fuga de Putin